domingo, 12 de abril de 2009

OBLATOS SECULARES BENEDITINOS

Estatutos dos Oblatos Seculares
do Mosteiro de Singeverga

Singeverga
2008

Capítulo I
OS OBLATOS
1. O Oblato beneditino é o cristão (leigo ou sacerdote) que, chamado por Deus, procura viver coerentemente o Baptismo, a Confirmação e a Eucaristia dentro do espírito da Regra de São Bento; nos ditames desta encontra alimento e estímulo para tender à perfeição evangélica e à glorificação do Criador.
2. A atitude de oblação (ao Senhor) é decorrente, para todo o cristão, da sua inserção na Igreja pelo Baptismo e da sua participação na Celebração Eucarística. Com efeito, o cristão, na Santa Missa, renova a sua oblação ao Pai, em união com a de Cristo. É essa oblação sacramental que o cristão deve reafirmar e exercitar no decorrer da sua vivência quotidiana.
3. Os oblatos são membros da comunidade do respectivo mosteiro; não constituem associação religiosa nem Ordem Terceira. Participam dos bens espirituais do cenóbio e procuram, na medida do possível, acompanhar a vida do mosteiro.
4. Qualquer mosteiro autónomo de monges tem o direito de receber oblatos.
1. A palavra oblato vem do latim oblatus, “oferecido”. Na Regra de São Bento, tal vocábulo designa os meninos oferecidos pelos seus progenitores para o serviço de Deus no mosteiro (cf. cap. 59; São Gregório Magno, Diálogos, I, II). Aos poucos o termo “oblato” passou a designar fiéis que, desejosos de viver mais plenamente a vida cristã, se filiam a determinado mosteiro.
Os que passam a morar no próprio cenóbio são chamados
“oblatos regulares”, ao passo que aqueles que continuam no século são ditos “oblatos seculares”.
Capítulo II
A OBLAÇÃO
1. A oblação é o acto pelo qual um cristão se oferece a Deus e se torna membro efectivo de uma comunidade monástica, se bem que a título diferente do monge.
2. O oblato torna~se irmão dos monges e considera-se como testemunha do espírito da Regra no mundo. Este liame não dispensa o
oblato das responsabilidades humanas (familiares, profissionais, sociais, etc.) e cristãs (eclesiais e paroquiais) nem o sujeita à jurisdição do Abade.
3. Entre a comunidade monástica e o oblato deve existir intensa comunhão de orações, sacrifícios e serviço.
4. A oblação não é profissão religiosa nem implica voto público ou particular; pressupõe, todavia, propósito maduro e estável da vontade, a Deus manifestado perante a Igreja e confirmado mediante rito sagrado.
5. O pedido do cristão para tornar-se oblato supõe a existência de laços espirituais com o mosteiro ao qual deseja vincular-se. Pode tornar-se oblato todo o fiel cuja maturidade espiritual, no julgamento do Abade ou do seu delegado, seja capaz de pesar o alcance deste compromisso.
6. Só poderá ser recebido no noviciado o postulante que tiver completado dezoito anos de idade e não pertencer simultaneamente a uma Ordem Terceira.
7. Antes de chegar à oblação monástica, o candidato deverá percorrer um período de preparação, assim estruturado:
1. Postulantado, que terá a duração mínima de seis meses e a máxima de um ano;
2. Noviciado, que durará um ano, mas poderá ser prolongado a critério do director de oblatos, depois do que ou será admitido o noviço à oblação ou serão extintos os efeitos estatutários do noviciado.
8. O Abade do mosteiro ou um monge por ele delegado exercerá as funções Director dos oblatos. Este procurará acompanhar o crescimento espiritual dos oblatos, dos noviços, dos postulantes e dos candidatos. Aos formandos, o Director ministrará regularmente conferências sobre a Santa Regra, os Salmos e outros temas relacionados com a vida monástica. O futuro oblato deve aproveitar especialmente o período de formação para aprofundar-se no conhecimento da vida cristã e impregnar-se do espírito da Santa Regra.
Para tanto, recorrerá à oração, ao estudo, às leituras, às reuniões e a outros meios convenientes.
9. O Director poderá designar como auxiliares, na formação dos candidatos, postulantes e noviços, oblatos experimentados e observantes.
10. Compete ao Abade ou ao seu delegado decidir sobre a admissão, ou não, de postulantes ao noviciado ou de noviços à oblação.
11. O oblato poderá, se o desejar, transferir-se de um mosteiro para outro, desde que haja o consentimento dos respectivos abades.
12. A oblação realizar~se-á, de preferência, durante o Santo Sacrifício da Missa, para acentuar que está unida à oferenda de Cristo e da Igreja.
13. Na vestição e na oblação observar-se-á o Ritual Próprio.
14. As cartas de oblação serão conservadas no mosteiro, e os nomes dos oblatos ficarão inscritos em registo próprio. A cada oblato será entregue um documento, testemunho do seu compromisso.
15. A oblação pode, em casos excepcionais, ser anulada pelo próprio oblato ou pelo Abade. Mas nem o oblato desista do seu propósito senão após madura reflexão, nem o Abade demita um oblato sem justa e grave causa.
16. Caso o deseje, o oblato poderá ser sepultado com o hábito monástico (túnica, cíngulo e escapulário).
Capítulo III
A CONVERSÃO DOS COSTUMES
Da oblação decorre para o oblato o dever de se aplicar fielmente à conversão dos costumes indicada por São Bento aos monges: cf. Santa Regra, Prólogo e cap. 58.
Por “conversão dos costumes” entende-se o modo de vida monástica exigido pela Santa Regra. Tal modo de vida, para os oblatos seculares, consistirá essencialmente na procura de constante conversão, na prática da oração, no cumprimento generoso dos deveres de estado e na convivência fraterna. Tais elementos são aptos a levar o oblato à perfeição evangélica ou à santidade, termo ao qual todo o cristão é chamado desde o momento do seu baptismo:
Todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. (Lumen Gentium, 40)
A santidade é, pois, a vocação suprema de todo o oblato. A Santa Regra não tenciona senão ajudá-lo a atingir essa meta suprema.
III. 1. A Conversão
1. A conversão significa a renúncia permanente ao homem velho e às suas concupiscências, passagem do egoísmo para o amor e dos valores mundanos para as bem-aventuranças. É a própria vivência do Baptismo que implica a morte ao pecado e ressurreição com Cristo para a vida nova.
2. A conversão é inseparável da prática da ascese. Diz o Santo Legislador que a vida do monge deveria ser caracterizada, em todo o tempo, pela observância da Quaresma (Santa Regra, cap. 49). É necessário, pois, que o oblato tenha em vista este traço da sua vocação e cultive a sobriedade, a simplicidade, a austeridade, e se abra docilmente às genuínas inspirações do Espírito.
3. O cap. 7 da Santa Regra, ao apresentar os 12 degraus da humildade, oferece ao oblato as grandes linhas de um programa de renúncia a si para viver mais e mais em Deus. O Prólogo e cap. 4 (sobre os instrumentos das boas obras) da mesma Santa Regra constituem outras tantas fontes de renovação interior e exterior.
4. Um retiro espiritual por ano, de preferência com os oblatos, e um encontro mensal no mosteiro contribuem para a conversão dos costumes, aprofundamento e oração em comum e estreitamento dos laços da caridade fraterna que une os oblatos.
III. 2. A Oração
1. A oração é a procura da íntima união com Deus que se faz num diálogo pessoal e silencioso (oração particular) ou de maneira vocal e comunitária.
2. O centro da vida de oração é a Celebração Eucarística, de que o oblato há-de participar assiduamente. Assim, a Santa Missa alimentará cada vez mais os pensamentos, os afectos e os actos do oblato.
3. Em torno da Santa Missa coloca-se o Ofício Divino, pelo qual os filhos de São Bento nutrem especial estima, visto ser a oração oficial da Igreja. Por conseguinte, esforcem-se os oblatos por recitar diariamente ao menos uma parte do Ofício Divino sob qualquer das formas aprovadas pela Igreja.
4. Para que a oração vocal seja eficaz, torna-se indispensável a oração silenciosa. Esta pode ser compreendida sob a “lectio divina”, à qual Nosso Pai São Bento atribui notável importância na Santa Regra (cf. cap. 42; 48). Esforcem-se, pois, os oblatos por ler e aprofundar, com inteligência e afecto, a Sagrada Escritura, à qual é muito desejável que dediquem, diariamente, certo espaço de tempo (cf. Concílio Vaticano II, Constituição “Dei Verbum” nº 25; Decr. “Perfectae Caritatis”, nº 6). Tenderão a familiarizar-se, outrossim, com as obras de espiritualidade mais notáveis da Tradição e da actualidade da Igreja. Além do que, estimarão grandemente boa formação teológica, valor esse que a Santa Igreja hoje em dia procura ministrar, sob variadas formas, a todos os seus filhos. Melhor conhecimento da Palavra de Deus, das ciências sagradas e da Santa Regra nutre a oração, corrobora a fé e incita ao testemunho apostólico.
III. 3. O cumprimento dos deveres de estado
1. Se todo o cristão leigo é chamado a impregnar do espírito evangélico as estruturas deste mundo, o oblato é especialmente incitado a tanto por sua vocação beneditina, sabiamente expressa na fórmula “Ora et Labora”.
2. Vêem muito a propósito as palavras da Constituição “lumen Gentium” do Concílio Vaticano II:
Aos leigos compete, por vocação própria, buscar o reino de Deus, ocupando-se das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, no meio de todas e cada uma das actividades e profissões e nas circunstâncias ordinárias da vida familiar e social, as quais como que tecem a sua existência. Aí os chama Deus a contribuirem, a partir de dentro e à maneira de fermento, para a santificação do mundo, através do cumprimento do próprio dever, guiados pelo espírito evangélico, e a manifestarem Cristo aos outros, antes de mais com o testemunho da sua vida e com o fulgor da sua fé, esperança e caridade. A eles compete, muito especialmente, iluminar e ordenar todas as coisas temporais, com que estão intimamente comprometidos, de tal maneira que estas sempre se façam e progridam segundo Cristo, para louvor do Criador e do Redentor. (nº 31)
3. A propósito, leia-se também a Constituição “Gaudium et Spes”, nº 44:
Assim como é do interesse do mundo que ele reconheça a Igreja como realidade social da história e seu fermento, assim também a Igreja não ignora quanto recebeu da história e evolução do género humano.
A experiência dos séculos passados, os progressos científicos, os tesouros encerrados nas várias formas de cultura humana, os quais manifestam mais plenamente a natureza do homem e abrem novos caminhos para a verdade, aproveitam igualmente à Igreja. Ela aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de adaptar o Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às exigências dos sábios. Esta maneira adaptada de pregar a palavra revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização. Deste modo, com efeito, suscita-se em cada nação a possibilidade de exprimir a mensagem de Cristo segundo a sua maneira própria, ao mesmo tempo que se fomenta um intercâmbio vivo entre a Igreja e as diversas culturas dos diferentes povos (22). Para aumentar este intercâmbio, necessita especialmente a Igreja - sobretudo hoje, em que tudo muda tão rapidamente e os modos de pensar variam tanto - da ajuda daqueles que, vivendo no mundo, conhecem bem o espírito e conteúdo das várias instituições e disciplinas, sejam eles crentes ou não. É dever de todo o Povo de Deus e sobretudo dos pastores e teólogos, com a ajuda do Espírito Santo, saber ouvir, discernir e interpretar as várias linguagens do nosso tempo, e julgá-las à luz da palavra de Deus, de modo que a verdade revelada possa ser cada vez mais intimamente percebida, melhor compreendida e apresentada de um modo conveniente.
Como a Igreja tem uma estrutura social visível, sinal da sua unidade em Cristo, pode também ser enriquecida, e de facto o é, com a evolução da vida social. Não porque falte algo na constituição que Cristo lhe deu, mas para mais profundamente a conhecer e melhor a exprimir e para a adaptar mais convenientemente aos nossos tempos.
Ela verifica com gratidão que, tanto no seu conjunto como em cada um dos seus filhos, recebe variadas ajudas dos homens de toda a classe e condição. Na realidade, todos os que, de acordo com a vontade de Deus, promovem a comunidade humana no plano familiar, cultural, da vida económica e social e também política, seja nacional ou internacional, prestam não pequena ajuda à comunidade
eclesial, na medida em que esta depende das realidades exteriores.
Mais ainda, a Igreja reconhece que muito aproveitou e pode aproveitar da própria oposição daqueles que a hostilizam e perseguem
(23).
4. O trabalho não é somente necessidade de índole vital, mas é também ascese, ou seja, motivo de renúncia e de disciplina dos costumes.
É no trabalho que se defrontam situações concretas de praticar a virtude. Em contraste, a ociosidade é declarada por São Bento “inimiga da alma” (Santa Regra, cap. 48).
5. O oblato deverá dar testemunho de fidelidade a seus deveres de estado de modo que o seu lar mereça o honroso título de “igreja doméstica”, que caracteriza a casa da família cristã.
Capítulo IV
O SENSO ECLESIAL
1. Mais do que nunca, é viva no povo de Deus, em nossos dias, a consciência de Igreja como comunhão e participação.
2. Cumpre ao oblato nutrir vivos sentimentos de filial fidelidade à Santa Igreja, pulsar com ela, identificando-se com as intenções do Sumo Pontífice. Viverá, assim, também o espírito da Ordem de São Bento, que através dos séculos sempre foi esteio das grandes aspirações da Santa Sé e do Vigário de Cristo.
3. De modo especial, a fidelidade à Igreja traduzir-se-á em fidelidade ao magistério - ordinário e extraordinário - da Igreja. O oblato, portanto, guardará em tudo a fé pura e ortodoxa haurida da voz oficial da Santa Igreja.
4. Aos oblatos não se impõe, por força de Regra, tarefa apostólica específica; porém, beneditinos que são, não deixarão de imprimir no seu apostolado os sinais característicos da espiritualidade que vivem, principalmente o amor à Sagrada Liturgia e à piedade cristocêntrica e trinitária.
5. O bom filho de São Bento no século não se pode eximir de responder aos apelos que a Santa Igreja hoje em dia dirige a todos os cristãos leigos, no sentido de que assumam a sua responsabilidade pessoal na edificação e na difusão do Reino de Cristo. Eis as palavras do Concílio Vaticano II:
A vocação cristã, por sua própria natureza, é vocação ao apostolado.
A Igreja é como um corpo vivo no qual cada membro não pode ficar parado, mas participar activamente segundo a sua função e capacidade (cf. Ef 4, 16). Por isso, qualquer membro da Igreja que não contribua para o seu crescimento, não é útil nem à Igreja nem a si mesmo.” (Decr. “Apostolicam Actuositatem”, nº 2)
6. Adiante, o mesmo texto conciliar recorda que “a caridade é como que a alma de todo o apostolado”.
7. Eis, por que, é recomendada aos oblatos a consideração atenta das normas desse Decreto e o empenho em praticá-las.
Capítulo V
O ESPÍRITO BENEDITINO
A tradição monástica formulou em palavras ou frases incisivas algumas das grandes características do espírito beneditino, que todo o oblato há-de procurar observar. A seguir, vão explanadas treze delas:
V. 1. Ora et labora
1. É o lema “Ora et Labora” que dá estrutura a toda a vida do discípulo de São Bento.
2. A oração significa a atitude definitiva do cristão, principalmente sob a forma de adoração, louvor e gratidão ao Senhor. É ela que alimenta e aprofunda a união da criatura com o Criador, e leva o cristão a participar, cada vez mais, da vida trinitária. É por isso que a oração ocupa o primeiro lugar na estima do oblato.
3. O trabalho é forma de disciplina e ascese, como também de transformação do mundo segundo o plano e os desígnios do Criador. O
oblato santifica-se não apesar do trabalho, mas mediante o trabalho.
Esse há-de ser assumido não apenas como meio de subsistência, mas no intuito de servir a Deus e ao próximo. Quem ora devidamente, habilita-se a trabalhar em espírito de louvor e adoração
de Deus, como o fez o Divino Mestre quando se dignou trabalhar com mãos humanas, pensar com inteligência humana, agir com vontade humana, amar com coração humano (cf. “Gaudium et Spes”, nº 22)
V. 2. Em todas as coisas seja glorificado Deus
1. Referindo-se ao trabalho dos artífices do mosteiro, São Bento recomenda aos monges que procurem vender os respectivos artefactos
por preço módico “para que em todas as coisas seja Deus glorificado” (Santa Regra, cap. 57). Esta fórmula é inspirada pelo texto bíblico de 1 Pd 4, 11. Em seu teor latino, veio a ser uma das expressões típicas do espírito monástico: “Ut in omnibus glorificetur Deus” (abreviadamente: U.I.O.G.D.)
2. A fórmula beneditina poderia ser aplicada a todas as prescrições da Santa Regra e a toda a vida do mosteiro. Este é concebido como escola do serviço divino (Prólogo), na qual tanto o Ofício Divino quanto as actividades aparentemente profanas têm por finalidade suprema dar louvor a Deus.
3. A espiritualidade monástica é essencialmente teocêntrica. O oblato beneditino, mesmo, vivendo no século, saberá traduzir este teocentrismo em atitudes e gestos concretos da sua vida.
V. 3. Nada preferir ao amor de Cristo
1. Esta norma, colocada no cap. 5 da Santa Regra, entre os instrumentos das boas obras, exprime fielmente o pensamento paulino de que está impregnada a espiritualidade beneditina.
2. Em Cristo quis o Pai, desde toda a eternidade, amar e abençoar cada ser humano (cf. Ef 1, 3-5). N’Ele, por Ele e para Ele tudo foi criado (cf. Col 1, 16): tudo n’Ele subsiste (cf. Col 1, 17). “N’Ele aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude” (Col 1, 19). É por Ele que ousamos chegar-nos a Deus Pai confiadamente (cf. Ef 3, 13).
3. A presença central do Cristo na vida cristã é incutida também na Liturgia Eucarística. Onde se diz: “Por Cristo, com Cristo, em Cristo…”
4. Por conseguinte, compete ao oblato procurar conhecer sempre mais profundamente o Cristo Jesus, não só por via intelectual, mas também mediante uma configuração crescente ao Senhor Jesus.
Associe os seus sofrimentos e as suas alegrias aos de Cristo Jesus, procurando completar em sua carne o que falta à Paixão de Cristo, em prol da Igreja (cf. Col 1, 24), certo de que, padecendo com Cristo, reinará também com Cristo (cf. 2 Tm. 2, 11; Santa Regra, Prólogo). Acompanhando diariamente o Cristo peregrino na Terra, aceite com serenidade a sua parcela da cruz salvífica, a qual se lhe transformará em árvore da vida e penhor de ressurreição.
Por Cristo homem a Cristo Deus
E por Cristo Deus a Deus Pai. (Santo Agostinho)
V. 4. Como sagrados vasos do altar
No cap. 31, relativo ao celeireiro, São Bento recomenda que se considerem “todos os objectos do mosteiro e demais utensílios como sagrados vasos do altar”. Tal visão de fé há-de caracterizar também o oblato.
Nada é profano ou religiosamente neutro aos olhos do cristão e especialmente aos olhos do filho de São Bento. Ao contrário, a reverência incutida pela certeza da presença de Deus na oração acompanhá- lo-á na execução das suas tarefas, pois elas, a seu modo, contribuem para pô-lo em contacto com o Senhor Deus e os valores eternos.
E, de modo especial, São Bento convida os seus discípulos a ver nos irmãos a presença de Cristo: assim, entre outros, no Abade (cap. 2), nos enfermos (cap. 16), nos hóspedes e nos pobres (cap. 53).
V. 5. Nada em demasia
1. Esta máxima de Cícero encontra-se no cap. 64 da Santa Regra, concernente ao Abade. Este, ao corrigir os irmãos, há-de proceder prudentemente e não em demasia, para que, desejando raspar demasiado
a ferrugem, não quebre o próprio vaso.
2. Tal fórmula tornou-se expressão da famosa discrição beneditina, já muito exaltada por São Gregório Magno (cf. Diálogos, cap. 36, I, II).
Esta discrição não significa mediocridade ou prudência acobardada e medrosa. Muito ao contrário: é a virtude que proporciona os meios ao fim respectivo e que, por isto, cria ordem e harmonia na vida beneditina. Essa proporcionalidade ou harmonia pode exigir renúncia e sacrifício; ela não somente é compatível com a ascese, mas pode fomentar a ascese. É da discrição que decorre o senso estético que deve caracterizar a Liturgia e as expressões de um mosteiro beneditino. Os filhos de São Bento hão-de viver em harmonia e proporção - o que nada a tem de afectado, mas implica pureza interior e dignidade de porte visível (no vestir-se, no falar, no recrear-se, no conversar…)
V. 6. Ser primeiramente
1. No cap. 4 da Santa Regra, o legislador exorta os monges a que “não queiram ser tidos como santos antes que o sejam, mas primeiramente sejam santos para que possam ser considerados como tais”.
2. Esta norma traduz a aversão à aparência destituída de conteúdo, aos rótulos ilusórios ou contraditórios. Revela absoluta preferência pelo ser em relação ao ter. Em consequência, incute ao filho de São Bento a preocupação com a coerência de pensamento e vida.
Sugere a honestidade incondicional de atitudes, de palavras e de ambiente. Evite o oblato linguagem falsa, ambígua e vã.
3. O amor à autenticidade se exprime mais de uma vez na Regra de São Bento: assim, no tocante ao oratório (“seja aquilo que o nome significa”, cap. 52); ao Abade (“faz as vezes de Cristo, porque é chamado pelo mesmo cognome que Este”, cap. 2), ao monge feito soldado do verdadeiro Rei (Prólogo) ou penetrado pela humildade (12º grau, cap. 17…)
V. 7. Nada antepor ao Ofício Divino
1. Quer São Bento que o Ofício Divino seja a tarefa principal do monge, tarefa que inspire e impregne todas as demais actividades.
2. O oblato vê nesta norma também um traço da sua espiritualidade.
Embora não esteja obrigado a celebrar o Ofício Divino no coro, deve fazer da oração (seja particular, seja comunitária) o centro da sua vida. Isto não requer que se dedique à oração o tempo que deveria consagrar a outros deveres, mas exige que a oração seja tarefa efectuada com o maior empenho e solicitude, diariamente, nas horas próprias. Assim procedendo, o oblato estará dando a Deus o ligar primordial que a Ele compete, e se abrirá às graças que levam à perfeição ou santidade.
V. 8. Antecipem-se uns aos outros em honra
1. Estas palavras tirada do cap. 72 da Santa Regra, sintetizam toda a doutrina da caridade fraterna, que é o coração do Novo Testamento e a característica principal dos discípulos de Jesus Cristo. Todo este capítulo, feito de máximas de grande densidade espiritual, deve ser frequentemente meditado pelo oblato e transformado em norma de vida quotidiana.
2. Membro da mesma família monástica, concebam uns para com os outros genuíno espírito de fraternidade, que se traduzirá na assistência solicita aos enfermos, aos atribulados e a quantos sofrem as vicissitudes da vida. Este mesmo zelo existirá no Abade e no Padre Director, que procurarão acompanhar cada um dos oblatos nos altos e baixos da sua caminhada, dando a sentir a cada um a presença da comunidade e dos valores da fé, principalmente nas horas difíceis.
Tal tipo de assistência dos monges e dos oblatos avivará nos irmãos carentes a consciência de que somos membros uns dos outros e formamos um só corpo em Jesus Cristo (Rom 12, 5) e ainda de que “ninguém vive e ninguém morre para si mesmo, porque, se vivemos, é para o Senhor que vivemos, e, se morremos, é para o Senhor que morremos. Portanto, quer vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor (Rom 14, 7s).
3. A participação da comunidade fraterna na dor e, especialmente, nos momentos finais da peregrinação terrestre de um oblato será, para este, o sinal vivo da sua pertença a Cristo e da sua comunhão com a Igreja peregrina em marcha para a Jerusalém celeste, à qual desde o Baptismo cada um foi chamado. “Quanto me alegrei quando me disseram: Iremos para a casa do Senhor!” (Sl 121, 1)
V. 9. Paz
1. A tradição associou a palavra PAZ ao ideal beneditino. Na verdade, a paz constitui o ambiente do mosteiro e, mais ainda, o estado íntimo dos seus moradores: os monges hão-de cultivar a paz, ou seja, “a tranquilidade na ordem” (Santo Agostinho) nas suas relações com Deus, com os irmãos, filhos do mesmo Pai, e com as demais criaturas.

2. Repetidamente a Santa Regra se refere à paz como sendo uma das características do cenóbio e do monge: “Todos os membros estarão em paz” (Santa Regra, cap. 34; cap. 53, Prólogo…)
3. O oblato adoptará mais este traço da espiritualidade monástica, que o Evangelho enfatiza na sétima bem-aventurança: os filhos de Deus são artífices da paz (cf. Mt 5,9). A paz e a discrição monásticas supõem harmonia, equilíbrio e proporcionalidade na escala de valores do oblato. Esteja ele tão impregnado dos bens eternos que a sua mera presença já se torne sinal de ordem e tranquilidade.
V. 10. Na prontidão do temor de Deus
Como tantas outras, esta palavra do cap. 5 da Santa Regra lembra ao monge e ao oblato que a sua vida deve ser guiada pelos dons do Espírito Santo. E o dom básico do temor de Deus é três vezes lembrado pela Sagrada Escritura como sendo o “começo da sabedoria” (Sl 110, 10; Pr 1, 7; 9, 10). São Bento apresenta-o como o móvel da prontidão monástica aos apelos de Deus que lhe são dirigidos pela voz do Superior, pelo sinal conventual ou pelas necessidades dos irmãos. É o segredo daquela solicitude que Nosso Pai deseja encontrar em seus filhos pelo Ofício Divino, pela obediência e pelos opróbrios (cf. Santa Regra, cap. 58).
Por isso, a pontualidade deve ser uma característica da vida do oblato, sinal dessa prontidão no serviço de Deus e dos homens.
V. 11. Seja tudo comum a todos
1. Nos capítulos 33 e 34 da Santa Regra, São Bento estabelece a sua doutrina sobre a pobreza monástica: insiste na radicalidade do desprendimento dos bens materiais, cuja posse ele considera “vício
que deve ser cortado do mosteiro pela raiz” (cap. 33). Encontra-se o espírito desta doutrina claramente revelado por Jesus em vários episódios evangélicos, principalmente no diálogo com o jovem rico e nos comentários seguintes feitos com os apóstolos. (cf. Mt 19, 16- 30)
2. O oblato que vive no mundo e que não é chamado ao radical despojamento monástico, deve, no entanto, aprofundar cada vez mais a “bem-aventurança dos pobres de coração”, proposta por Jesus no Sermão da Montanha (cf. Mt 5, 3). Ao contrário do espírito do mundo que valoriza o ter, deve ele valorizar cada vez mais o ser e o seu compromisso de partilha e comunhão com os irmãos. Sendo possuidor de bens materiais, sinta-se mais administrador do que dono, lembrado da palavra do Sumo Pontífice João Paulo II: sobre toda a propriedade particular pesa uma hipoteca social.

3. São Bento chama de “presunção” o pensar que alguma coisa nos pertence (cap. 33) e nos lembra que a paz da comunidade depende de uma partilha de bens, conforme as necessidades de cada um.
V. 12. Perseverando no mosteiro
No final do Prólogo, São Bento apresenta a perseverança e a paciência como a expressão da participação do monge nos sofrimentos de Cristo, penhor da comunhão com o Senhor na glória. Este é o sentido do voto de estabilidade que ele vai exigir dos seus monges, em contraposição com os giróvagos, que se caracterizam pela instabilidade. O contacto com o mosteiro será, para o oblato, sinal de seriedade do propósito de buscar a Deus e de ser perseverante no esforço de conversão. A oblação, após prolongado período de reflexão sobre os preceitos da Regra, deve ser uma entrega total da vida a Deus, em comunhão com os irmãos que buscam o mesmo ideal, e que usam as fortíssimas armas da obediência (Prólogo). Tenha o oblato presentes diante de seu coração as palavras de Cristo: “Quem põe a mão ao arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus” (Col 9, 62). Não confie nas próprias forças, mas, como afirmou no dia da oblação, entregue-se humilde e corajosamente ao poder da graça divina, que trabalhará sem cessar no seu espírito aberto à acção do Espírito Santo.
V. 13. Glorificam o Senhor, que trabalha em seu coração
1. Esta referência, quase literal, ao cântico de Maria na sua visitação a Isabel, é uma das mais belas sentenças da Santa Regra e pode ser apresentada como síntese da via do monge e do oblato. Com efeito, estes são chamados a glorificar a Deus, cantando os seus louvores, e deixando-o agir no íntimo da criatura pela graça do Espírito Santo.
2. A vocação a configurar-se a Cristo o oblato a viver cada vez mais como filho de Maria. Jesus é todo Filho do Pai e Filho de Maria. Por conseguinte, o oblato, à medida em que for progredindo na sua vida espiritual, tomará consciência sempre mais nítida de que há-de ser, para Maria, outro Jesus, filho devoto de Maria, na sua piedade dedicará à Mãe do Céu o lugar inconfundível que lhe cabe. Aliás, a tradição monástica sempre foi profundamente voltada para Maria Santíssima; tenha-se em vista os numerosos mosteiros a ela dedicados, assim como o título antigo de “Raínha dos Monges”.
3. O oblato verá também em Maria Santíssima o exemplar de toda a Igreja e a consumação antecipada dos bens que esta possui germinalmente.
Assim, a piedade para com Maria e a dedicação à Igreja
se lhes tornarão inseparáveis.
Capítulo VI
CONCLUSÃO
Este Estatuto faculta a cada mosteiro organizar a comunidade dos seus oblatos segundo o que melhor lhe parecer, desde que observadas as normas nele estabelecidas, para que em tudo Deus seja
glorificado.